Tecnologias: desenvolvimento, impactos e soluções.
Domingos Sávio de França*
A sociedade vigente a qual pertencemos, tem sido nominada “Sociedade do Conhecimento” – isso se dá principalmente, devido ao número de informações que produzimos e consumimos. Essas informações perpassam caminhos de conexões que se constituem desde a produção de equipamentos aos dados hospedados nas nuvens. E, esse fator impacta diretamente no meio ambiente. Segundo pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 2017 o mundo gerou 50 milhões de toneladas de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos – REEE. O estudo revela que a indústria eletrônica está dentre as que mais crescem no mundo, gerando por ano cerca de 41 milhões de toneladas de lixo eletrônico provenientes de computadores e celulares.
A pesquisa ainda expõe que 90% do lixo eletrônico do mundo é comercializados de forma ilegal, e/ou depositado em lixões e aterros sanitários desprovidos das condições ambientais mínimas necessárias para o seu descarte. Esse desperdício equivale a um montante de 19 bilhões de dólares por ano. Dessa forma a organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL) estima o valor médio de 500 dólares para uma tonelada de REEE, indicando que gira entre $12,8 a $18,8 bilhões de dólares por ano. Já o mercado global de resíduos, da sua coleta até os mais altos níveis de reciclagem, movimenta cerca de $ 410 bilhões de dólares por ano.
A questão da geração de resíduos sólidos e do lixo eletrônico, não são novidades nos debates das políticas ambientais no Brasil. Desde meados dos anos 90, quando começam a surgir os primeiros programas de coletas de baterias e pilhas, que o assunto é pautado.
Em 2010 foi sancionada a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, lei nº 12.305/2010 e, consequentemente a sua regulamentação com decreto nº 7404/2010, esses são considerados os principais instrumentos para regulamentar o que se entende por gestão integrada e gerenciamento dos resíduos sólidos no país. Essa legislação é fruto de um intenso processo de consulta pública e de negociações parlamentares e executivas, que envolveu diversas instâncias do Estado e Sociedade brasileiros.
A realidade hoje no Brasil sobre o crescimento da geração do lixo eletrônico é semelhante ao restante o mundo. Segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), o Brasil já está gerando mais de 1,5 milhão de toneladas anuais de lixo. Com a previsão de chegar em 2020 com 1,9 milhão de toneladas.
Fazendo um recorte nessa perspectiva de análise, apenas na cidade do Recife – PE o peso dos REEE descartados atualmente é de cerca de 4 mil toneladas por ano com previsão na média dos próximos 10 anos de aumento gradual até 11 mil toneladas, segundo relatório final do Projeto para a Melhoria da Logística Reversa de Resíduos Elétricos e Eletrônicos na República Federativa do Brasil, da Agência de Desenvolvimento do Japão – JICA / MMA. O documento ainda divulga que o percentual de REEE coletados e reciclados adequadamente só chega a 2% (origem residencial) e 10% (origem empresarial).
Dentre os REEE de origem residencial, realizados por sucateiros ou ferros-velhos, representa cerca de 50% e é grande a possibilidade de um tratamento inadequado. A taxa de reuso, contemplando a venda de usados, as oficinas de conserto e as cessões, de cerca de 34% (origem residencial) e de cerca de 58% (origem empresarial), sendo que o restante é descartado de forma inadequada.
Diante de tamanha problemática há uma década se iniciava na extrema Zona Norte do Recife, entre os bairros de Apipucos e Dois Irmãos uma revolução silenciosa que hoje já alcançou mais de 15 mil pessoas diretamente e cerca de 300 mil indiretamente. E que hoje já encaminhou ao mercado de trabalho cerca de 3.500 pessoas, impactando ao PID da Região Metropolitana cerca de 50 milhões por ano.
Falamos do Centro de Recondicionamento de Computadores do Recife, carinhosamente chamado de CRC Marista do Recife.
Nasceu em 2009 com o propósito de ser um espaço de convergência de agendas e interesses como a inclusão sociodigital, qualificação profissional, empreendedorismo digital, robótica e meio ambiente, com o foco no reuso, restauração e reciclagem de eletroeletrônicos.
Essas temáticas sempre foram ferramentas de inclusão e promoção social para adolescentes, jovens e adultos inicialmente do Recife, mas que, muito rapidamente também alcançou interessados da Região Metropolitana do Recife, Mata Norte e Mata Sul de Pernambuco.
No momento da concepção do CRC Recife percebeu-se nitidamente para além do desafio citado anteriormente, a ausência do viés de inclusão social, hoje, chamado impacto social, assim como a inclusão digital no Recife e na órbita do Porto Digital.
E começando a ficar a margem desse modelo existiam, e existem milhares de jovens que estão à espera apenas de uma oportunidade, com seus sonhos interditados. Numa zona periférica de um dos maiores parques tecnológicos do mundo. Próximos geograficamente, mas, em uma distância inalcançável, considerando à dificuldade de romper o ciclo da pobreza, e do acesso às tecnologias digitais, espaços de inovação e empreendedorismo.
Percebendo essa conjuntura como desafio e oportunidade para além dos bits e bytes, nasce no Recife o primeiro Polo de Formação e Reuso de Eletroeletrônicos do Brasil. Que se propõe a ser um Espaço de Negócios de Impacto Social de reaproveitamento de equipamento de tecnologia e seu adequado reuso, remanufatura e reciclagem pós-consumo, com o sinergia de empresas, outros negócios de impacto social, organizações não-governamentais e entidades parcerias que trabalham com a cadeia da reciclagem. O Polo é uma fusão entre o Instituto Intercidadania, Centro Marista Circuito Jovem Recife e o Instituto de Inovação e Economia Circular, em aliança com a Fundação Banco do Brasil, Governo do Estado de Pernambuco, Associação Brasileira de Reciclagem e Inovação, e a Softex Recife.
O novo ciclo se inicia fortalecido de parcerias, conceito e processos como controle de massa e rastreabilidade, sintonizado com as exigências do acordo setorial para a logística reversa dos REEE, pretendendo ser uma alternativa na região para demandas que estão no universo da economia circular e dos negócios de impacto social. Trazendo consigo chancelas, serviços e práticas reconhecidas pelas instituições mais respeitas no Brasil e no Mundo.
Aberto ao diálogo com todos os parceiros e clientes, do reciclador de materiais recicláveis (catador) ao doutor da universidade, passando pelas empresas, ambos com suas demandas, desafios e práticas e que vislumbram na estrutura instalado no Polo a prestação de serviços socioambientais e um caminho fomentador de crescimento pessoal, descoberta de práticas laborais e do surgimento de novas formas no campo da inovação.
Muito além dos bits e bytes, nasce no Recife um novo arranjo produtivo local que exercita o ato de sonhar com uma sociedade sustentável e promotora da garantia dos direitos, onde princípios como responsabilidade ambiental e solidariedade sejam assumidos por todos, onde a sociedade civil e o governo construam uma cultura participativa de parceria para a melhoria das condições de vida das pessoas, especialmente suas Juventudes. O desafio é cuidar do meio ambiente em um mundo cada vez mais tecnológico.
* Especialista em Gestão e Controle Ambiental, Consultor Internacional em Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos, Fundador e Conselheiro da Associação Brasileira de Reciclagem e Inovação – ABRIN, Idealizador do Polo de Formação e Reuso de Eletroeletrônicos.